Como o diagnóstico do autismo pode abrir caminho para uma vida melhor
Trata-se, na verdade, de entender as diferenças e as peculiaridades humanas — e aprender a utilizá-las ou contorná-las em prol do próprio bem-estar
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O apresentador de TV Marcos Mion, cujo filho Romeo, de 18 anos, foi diagnosticado aos 7, é um dos principais nomes a erguer a bandeira do autismo, difundindo a relevância do reconhecimento precoce e da inclusão social. No fim do ano passado, ele realizou o sonho do jovem ao levá-lo ao palco do seu programa, o Caldeirão, onde o menino dançou ao som de 🍸Elvis Presley. Hoje, o maior v✤olume de informações sobre o universo autista é compartilhado e alimentado justamente pelos próprios pacientes e familiares.
Filósofo e dramaturgo, Henrique Vitorino, de 32 anos, é outro que, após entender sua condição, aprendeu a se relacionar melhor com o ambiente ao redor. Seu percurso de autodescoberta é narrado em Manual do Infinito: Relatos de um Autista Adulto (Editora Nova Alexandria), fruto de dois anos de pesquisas depois de receber o diagnóstico. O escritor relata que precisa levar protetores auriculares profissionais para conseguir andar de metrô, uma vez que o barulho para ele é como uma “agulha espetando os tím🧸panos”. E, inclusive, criou estratégias para impedir que um estímulo son♉oro indesejável o lance a uma crise capaz de deixá-lo três dias trancado no quarto.
O mundo, aliás, também está mudando para acolher os autistas. “Estamos, aos poucos, tendo nossa condição respeitada”, diz Vitorino. “Até os estádios de futebol, como o do Corinthians e o do Palmeiras, já têm salas especiais, vedadas acusticamente, onde podemos assistir aos jogos.” O fato é que, dentro ou fora da bolha, os integrantes do espectro ganharam voz. No podcast Fractais, produzido por quatro neurodivergentes com diagnóstico ta🏅rdio, entram em pauta temas que vão de crise de identidade a bullying. Um dos apresentadores é o psiquiatra Alexandre Valverde, de 44 anos. Não por ser especialista, mas também por ser… paciente. “Tirei as minhas algemas e agora quero soltar as das outras pessoas”, diz o médico, diagnosticado há dois anos, após o período de isolamento imposto pela covid-19. Durante a pandemia, Valverde e a família se mudaram para o interior paulista. Com a vacinação e o controle do vírus, todos volt🐎aram a São Paulo, menos o psiquiatra, que encontrou ali sua zona de conforto.
Valverde diz ter dificuldades de interação social, sensibilidade ao excesso de luz e ruídos, além de ansiedade. Tanto que trabalha em pé o dia todo, mesmo quando atende virtualmente seus pacientes. Os conhecidos sempre o acharam “esquisito”, mas por ser superdotado. De fato, ele tem QI comprovadamente mais alto do que a maioria da população. “Conseguia esconder minhas dificuldades graças à minha capacidade cognitiva”, diz. “Só que isso invisibilizava minhas dificuldades e o diagnóstico.” Avesso às mistificações, o psiquiatra faz questão de sublinhar que mesmo sintomas sutis do autismo tendem a gerar problemas ao longo do tempo. Isso porque, ainda que disponham de altas habilidades, os autistas podem conviver com uma série de dificuldades no cotidiano. Daí a necessidade de um bom acompanhamento e suporte especializado.As limitações — motoras, psíquicas ou sociais — são justamente o que baliza os níveis do espectro. Quando o indivíduo tem independência para tocar a vida, recebe o diagnóstico de TEA leve, ou grau 1 — caso de Sabatella e outros artistas e ativistas da causa. Mas, quando é preciso contar com cuidadores e terapeutas no dia a dia, o autismo perambula entre os níveis 2 e 3. Existem inúmeros desafios que cercam a detecção do quadro. Os pais nem sempre captam sinais de atipicidade. Tampouco existem exames de sangue ou imagem para bater o martelo. O diagnóstico é eminentemente clínico, levando em consideração uma soma de comportamentos desde a infância (veja exemplos no quadro). Ainda assim, como evidenciam relatos nas redes sociais, mui🌺tas pessoas vivem anos sem saber que estão dentro do espectro.
Quanto antes se abre a caixa do autismo, contudo, melhor. “Mesmo quando se encontra apenas um sintoma, devemos tratar o paciente precocemente para que não haja atraso no seu desenvolvimento”, afirma Polanczyk. Foi o caso do autor de livros sobre o universo autista Fernando Murilo Bonato, de 16 anos, que recebe ajuda especializada desde os 2. “O neurologista disse para estimularmos o que podíamos”, diz a mãe e professora Karine Bonato. Ainda que tenha começado a andar de bicicleta sem rodinhas aos 3 anos e conte com uma boa autonomia, o garoto só começou a falar aos 12, depois que a mãe passou a acompanhá-lo nos estudos em casa durante a pandemia. Como ele não consegue escrever, dita para ela os textos das lições e das obras que passou a publicar. “Estou conhecendo meu filho, finalmente. E ele está se realizando com essa nova via de expressão”, diz Karine. Vivam as diferenças.Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, esportiva bet:edição nº 2890